O GANTOIS

11/09/2013 22:25

MÃE MENININHA

O terreiro do Gantois dispensa apresentações. Ele está entre as “grandes casas, as casas importantíssimas”, como diz o ensaísta Waldeloir Rego, que se define como um estudioso de assuntos antropológicos. Ele acrescenta ainda:

Essas casas não são grandes e importantes porque são do tamanho de um supermercado, mas porque tiveram uma linhagem importante de descendentes.

Desde as pioneiras, Maria Júlia da Conceição Nazareth e depois sua filha, Pulchéria da Conceição Nazareth, o Gantois sempre desfrutou de muito prestígio. Duas marcas dessa casa, especialmente desenvolvidas por Maria Escolástica da Conceição Nazareth – a sobrinha que substituiu Pulchéria e era mais conhecida como Mãe Menininha -, são a diplomacia e beleza dos seus rituais. Além, é claro, da seriedade e conhecimento litúrgico, o que sempre lhe garantiu uma multidão de filhos-de-santo, parceiros e admiradores.

A família de Maria Júlia da Conceição Nazaré, ou Omoniquê, veio de Abeokutá. O seu pai, Okarindé, era uma espécie de secretário do rei. Quando ela saiu do Ilê Iyá Nassô Oká e decidiu fundar a sua própria casa, manteve a regra de que só mulheres ocupariam cargos de chefia e acrescentou o critério do parentesco na sucessão. Sobre Pulchéria, filha de Oxóssi, conta-se que teve um desempenho tão marcante, que corruptelas de Gantois – canzuá e ganzuá – se tornaram sinônimo de candomblé. No tempo de Pulchéria, um dos freqüentadores era o médico Nina Rodrigues, pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no Brasil. Mãe Menininha também conquistou muito respeito, tanto entre o povo, quanto entre figuras ilustres. Era procurada e admirada por pessoas como os médicos João Mendonça e Hosannah de Oliveira, intelectuais e artistas famosos, como Dorival Caymmi, Jorge Amado, Caetano Veloso e Maria Bethânia, além de políticos.

Mãe Menininha ainda não tinha um ano de idade quando foi iniciada e também assumiu cedo a chefia da casa, com apenas 28 anos. Quem a conheceu, garante que conhecimento, bondade, feminilidade e rigor reuniam-se nessa mulher com o mesmo equilíbrio. Ela gostava de definir o Gantois como uma casa de caridade e, de fato, a busca de auxílio e orientação sempre foram motivos que levaram muitas pessoas até lá. Mas outros atributos também contribuíram para a fama do Gantois e de Mãe Menininha.

Ela sempre foi amiga de todo mundo. Educadíssima, tratava todo mundo bem. Parecia até que tinha passado por uma escola pra aprender isso, mas ela nasceu assim. Era uma pessoa diplomática. Por exemplo, se ela estava fazendo o jogo pra você e saía alguma coisa que você não ia gostar de ouvir, ela se via doida. Fazia uma volta danada, pra dizer só mais ou menos, só sugerir a coisa que você não ia gostar – conta Waldeloir Rego, também conhecido como “pai dos colares”, pelas jóias e colares de iniciação que já fez.

Ruth Landes também teve a oportunidade de conviver com Menininha e deixou registrado uma outra nuance da sua personalidade: seu talento artístico. Num trecho do seu livro, registrou o comportamento da famosa mãe-de-santo durante um ritual:

Apesar da sua dor de cabeça, Menininha cantava e dançava sem parar, mexendo no xale que devia esconder-lhe os seios. Movia-se com leveza e rapidez, e por vezes era graciosa e dramática. E cantava encantadoramente, sem embustes e sem ‘espalhar brasas’, como se diz. Sentia-se que adorava cantar e dançar.
Com o esposo advogado, Mãe Menininha teve duas filhas – Cleusa e Carmem – que lhe sucederam à frente do Gantois.
"Filhos famosos" - Gantois

A boa relação com a mídia e personalidades contribuiu para tornar o Gantois o terreiro mais famoso do Brasil. A popularidade atraiu a atenção de políticos e artistas de todo o País e até de intelectuais brasileiros e estrangeiros.

A pesquisadora americana Ruth Landes, depois de uma temporada estudando o candomblé no Brasil, escreveu Cidade das mulheres, publicado nos Estados Unidos, em 1947, e no Brasil, em 1967, pela Civilização Brasileira. Na obra, a autora descreve Mãe Menininha como uma mulher independente, admirada e dona de si.

Além de ACM, que, pelo que consta, não chegou a ser “feito“ no terreiro, outras personalidades costumavam frequentar a casa. Jorge Amado, Pierre Verger, Carybé, Dorival Caymmi – que a homenageou com a Oração de Mãe Menininha, gravada por Maria Bethânia e Gal Costa nos anos 1970 –, Vinicius de Moraes e muitos outros. Bethânia e Gal, aliás, foram além. Ambas se tornaram filhas de santo da casa e seguem a religião até hoje.

”Fui feita por Mãe Menininha em 1981. Caetano e eu, juntos. Porém conheci o Gantois, a casa do axé, pelas mãos de Vinicius (de Moraes) e Gesse (Gessy), então sua mulher e minha amiga; não lembro o ano, mas sei que foi bem mais cedo da data escolhida pela ialorixá para minha obrigação“, lembra Bethânia.

Seguidora fiel da religião, a cantora diz que o Gantois reafirmou tudo o que aprendeu com os pais. ”O Gantois é a casa do meu orixá, portanto a casa que também me acolhe. Vi reforçados ali os ensinamentos e valores que aprendi na casa dos meus pais: humildade, respeito, o sabor da alegria, a necessidade de louvar e agradecer a graça da vida, com suas dores e delícias. Também a confiança, a amizade, a fé, para mim, a base de tudo“.

Para ela, o Gantois é símbolo do que há de melhor no Brasil. “Tudo é belo ali: o som, a roupa, a comida, os cheiros… isso pra não falar dos rituais, que, esses, são segredos guardados pelos de sangue real“.

Assim como a irmã de santo, Gal exalta a importância do Gantois na sua vida. ”Fui iniciada por Mãe Menininha. É uma casa muito especial, um lugar sagrado. As pessoas estão ali para fazer o bem“.

Para Gal e Bethânia, que vivenciaram as gestões de Mãe Menininha e de Mãe Cleuza, a escolha de Mãe Carmem como sucessora foi acertada. ”É uma mulher maravilhosa, o Gantois não poderia estar em melhores mãos“, elogia Gal. Bethânia vai além: ”Ela faz o seu trabalho lindamente. É a guardiã da sempre viva luz que habita ali e nos guia, nós, os seus filhos“.

Em 1995, foi a vez de a cantora Daniela Mercury se iniciar na religião. Ela diz que chegou ao Gantois pelas mãos de Mãe Cleuza, de quem se tornou amiga e filhade santo. ”O Gantois é uma casa especial, e Mãe Carmem é muito amorosa, está sempre presente, atenta e cuidadosa“. Apesar de ter entre os mais de três mil filhos de santo muitas celebridades, Mãe Carmem refuta o rótulo de terreiro dos artistas. ”Aqui são todos iguais“.

Trecho da reportagem de RONALDO JACOBINA
(Publicada em 14.3.2010 pela Muito, revista dominical do jornal A Tarde

Texto de Agnes Mariano